dia estava nublado. As nuvens anunciavam a tempestade que viria ao
longe. Uma sombra pairava imóvel sobre a torre de Geffen, mas nenhum
habitante percebia sua silenciosa agitação em meio à movimentada cidade.
As pessoas caminhavam sem notar que dentro da torre um pequeno guincho
surdo era emitido por entre suas enormes paredes de concreto, firmados e
protegidos por uma magia antiga. Não demorou até que o guincho
terminasse e tudo ficava em silêncio novamente. A sombra que pairava
imóvel foi desaparecendo aos poucos, e mesmo assim ninguém percebeu
aquele evento curioso.
Em uma corrida rotineira por sempre estar
atrasado, um bruxo se dirigia até a escada rapidamente quando notou uma
pequena mancha vermelha perto de onde descia para o nível inferior. Ele
estranhou aquela mancha e foi averiguar. Quando se aproximou da escada
que levava para o andar de baixo e checou a marca vermelha o bruxo
perdeu a respiração. Aquela marca era sangue que ainda estava úmida,
recém derramada. O estudante queria gritar, mas levou as mãos à boca
tentando não fazer barulho. Decidiu que seria melhor investigar. Invocou
chamas que o rodeavam e desceu para o andar inferior.
Depois de
mais um andar, as luzes se apagaram e as chamas do jovem bruxo também.
Quando acendeu novamente as chamas reveladoras, sentiu seu sangue
congelar todo o seu corpo paralisou de medo. Era um andar que separava a
torre do pequeno calabouço abaixo, mas algo aconteceu ali e deixou suas
marcas. O mesmo sangue que ele havia encontrado no primeiro lance de
escadas agora estava espalhado pelas paredes. Quando o jovem estudante
percebeu que havia um rastro que subia até os andares superiores e não
havia notado, ele sentiu um calafrio maior ao ver a imagem que se
posicionava no centro do cômodo. Uma mulher estava deitada para baixo,
mas era possível ver sua face de horror. Seu corpo fora trucidado e seu
abdômen estava dilacerado. Aquele jovem estudante jamais havia visto
algo tão perturbador, ou havia gritado tão alto antes.
Ruínas das Trevas - Primeiro Livropor
Willen Leolatto Carneiro
Capítulo I - Apenas mais uma noite...
rontera
estava atulhada de pessoas como o de costume. Naquela manha, poucos
estavam dispostos a ir enfrentar os perigos daquele continente e parecia
que não havia mais nenhum herói pronto para a ação. Mas as tavernas
ainda eram lotadas desses heróis que outrora lutavam contra dragões,
estavam lá para contar suas façanhas e lutar contra a embriaguês que
poderia vir rapidamente. Sentados no balcão, dois loiros conversavam
alegremente e riam alto batendo os canecos de hidromel ao alto.
-
E viva o lucro! – Disse Kem, o loiro que pousava
lentamente sua caneca no balcão enquanto sorria para as dançarinas. O
outro jovem também era loiro, mas não tinha os mesmos cabelos revoltos, e
sim muito bem ajeitados e cortados. Mesmo os dois sem suas roupas e
armaduras de combate pareciam guerreiros pelo modo como estavam se
divertindo. Afinal, eram todos valentes homens e formosas mulheres que
adentravam naquele bar.
-
Kem! – Falou
rapidamente o loiro. Seus olhos eram de um tom verde límpido e sua voz
era harmônica. –
Para de olhar para elas. Deixa algumas
para mim.
-
Você que sabe Eros. – Respondeu animado. –
Hoje é diversão.
Eros
estalou os dedos e foi até uma das dançarinas que animavam os homens
coreografando em uma área no centro da taverna. Enquanto Eros tentava
conversar com algumas delas, um homem entra desesperado pela porta da
taverna. Estava nervoso e olhava de um lado para outro, procurando por
algo. Kem notou a presença dele, mas não se mexeu para tentar algo.
Porém, quando o estranho percebeu o loiro, se dirigiu até o balcão e se
sentou ao seu lado.
-
Kem Nelliw? – O homem falou com uma voz rouca.
-
Sim?
O único. – Kem parecia divertido com a menção de seu nome.
-
Venho lhe trazer uma mensagem.
-
Se for do irmão da Carine,
diga a
ele que eu me desculpo por ter quebrado a perna dele. – Kem se
virou para encarar o homem. Possuía um ar malicioso para falar. –
Mas só se ele pedir desculpas por ter invadido o quarto
enquanto eu e ela...-
Hein? Ta
maluco? – O homem interrompeu. –
Não sei do que
ta falando, mas eu trouxe uma mensagem de Geffen... – O estranho
aproximou-se mais do ouvido do loiro. –
Eu vim pelo
conselho. – Cochichou.
-
Ora! –
Kem exclamou ao ouvir. Deu um sorriso como resposta e aproximou-se do
ouvido do estranho. –
Não estou interessado em trabalho
agora não. Suma...O homem olhou sem entender o que se
passava. Encarou incrédulo para o loiro que ainda sorria para ele. Suas
mãos começaram a tremer até que ele saiu correndo porta afora. Ao mesmo
tempo em que Kem voltava para a sua bebida, Eros retornava com a mão
segurando a bochecha esquerda.
-
O que houve aí Eros? – Perguntou Kem ao ver o amigo.
-
Nada, só tentei conquistar o coração de uma bela dama, e
acabei levando um fora. – Eros sentou-se ao lado de Kem e
voltou a beber. Estava com a cara pouco inchada e olhava para sua caneca
com hidromel até a metade.
-
O que usou dessa
vez? – Kem encarava Eros com um sorriso maroto. –
Que cantada usou?
-
Eu
falei a verdade desta vez. – Eros olhou para o loiro. –
Disse que precisava ter uma mulher para que eu pudesse
gerar meus descendentes...Ao ouvir, Kem começou a rir
intensamente. Talvez fosse a bebida ou a força do tapa, mas Eros
acompanhou as gargalhadas do amigo. Não era raro acontecer a mesma cena
com o mulherengo Eros e depois Kem rir da atitude das garotas ou do seu
camarada. Eram dias felizes, embora Kem soubesse que para alguém vir
atrás dele a mando do conselho de investigação teria de ser algo
extremamente urgente.
As ruas ainda estavam
cheias quando os dois amigos saíram da taverna e chegaram até a grande
casa que ficava perto da catedral. Havia uma pequena placa acima da
entrada que tinha as siglas
“O.V.”. Dentro dela, poucas pessoas
estavam reunidas quando Kem e Eros chegaram, e poucas continuaram quando
a escuridão era trazida com a noite.
Dentro da casa chamada de
Loja Valk pelos seus membros, Kem sentou-se em uma escrivaninha e
começou a ler enquanto Eros sentava-se ao lado de uma mestra de cabelos
ruivos no sofá. Também estava na sala o irmão de Kem, o criador Aldora
Nelliw, que também lia sentado em uma das cadeiras.
-
Vamos minha querida, me diga. Que tal uma noite bem
aproveitada? – Eros tentava a todo custo conversar com a ruiva,
que não lhe dava atenção enquanto meditava no sofá. Era um pouco mais
alta que Eros e tinha o cabelo ruivo comprido pendendo por cima dos
ombros. Bela, de rosto suave e corpo bem esculpido, mas de uma sólida
paciência e serenidade perante as inquietas tentativas de ter assunto de
Eros. Quando viu que seria inútil, Eros virou o rosto na direção de
Kem. –
Kem, não adianta, ela não fala nada!
-
Ela é uma muralha física, mental e espiritualmente
Eros. – Kem respondeu sem perder a concentração no livro. –
Ayanne é bem mais sutil do que você.
Derrotado,
o loiro se deixou cair no sofá com os braços cruzados e com a cara
emburrada. Prestou atenção no movimento de todos na sala, mas ninguém se
mexia. Kem e Aldora estavam lendo enquanto Ayanne apenas meditava. Eros
foi perdendo a paciência.
-
Ah! Kem, sério cara,
vocês são chatos demais... – Falou levantando e encarando o
loiro. –
Não fazem nada. Cade o Louis ou o Leon? Com eles
a festa ficaria mais animada...-
Quieto,
imbecil! – A ruiva havia se pronunciado. Sua voz suave soou
maligna contra Eros que, imediatamente, sentou e ficou olhando a ruiva.
Esperou até que ela voltasse a ficar imóvel e começou a balançar a mão
na frente do rosto da mestra, que não se mexeu. Eros então se levantou e
foi para frente de Ayanne, onde começou a fazer caretas, esperando uma
reação. Nada!
Estava
começando a ficar equilibrado em apenas um dos pés quando a porta bateu
fortemente e alguém entrou veloz para a sala. O som alto e o movimento
brusco assustaram Eros que soltou um guincho e caiu pesado no chão.
Ayanne mal se mexeu quando a pessoa passou por ela rapidamente até onde
estavam os sofás centrais. Aldora apenas observava com o livro
encobrindo parte do rosto, e Kem havia fechado seu livro e levantado
após a repentina entrada.
Quando Kem se virou, deu de cara com
Kemaryus, o professor líder da Ordem das Valquírias. Tinha um cabelo
azul claro, igualmente revolto como os de Kem, e o que mais chamava sua
atenção eram seus olhos bicolores, azul e vermelho. Sua feição era, como
de costume, de uma seriedade solene, embora fosse muito afável com seus
amigos.
-
Reitor, como sempre chegando pela madrugada... – Disse Kem, cumprimentando o professor.
-
De fato, algo observado por uma pessoa cujo hábito se
iguala ao meu. – Respondeu de forma inteligente. Kemaryus sempre
foi muito esperto em suas respostas, e Kem sabia que ele teria a mesma
capacidade. Era apenas um modo de inventar argumentos mais compridos
para conversar.
-
E o que lhe trás aqui há esta
hora? Não devia estar em Juno pesquisando como havia me dito? –
Kem perguntou de modo tranquilo. Kemaryus sentou-se em frente à
escrivaninha e colocou seu par de óculos de leitura, puxando alguns
livros da prateleira para ler.
-
Bem, vim fazer
uma consulta nos livros da Ordem e nos registros. Parece que alguma
coisa está acontecendo e está gerando pânico por aí.-
O que seria? – O paladino parecia animado. Eros voltou a se
sentar no sofá, ao lado de Ayanne. A escrivaninha era posicionada de
costas para o centro da sala, onde havia três sofás de dois lugares cada
e algumas cadeiras. O sumo estava apoiado no encosto do sofá,
observando os dois líderes conversar. Kemaryus entregou uma carta para
Kem, que examinou cuidadosamente.
-
Isso é um
pedido de investigação feito por um membro da Academia de Magia de
Geffen. Parece que houve um assassinato com requintes de crueldade
lá. – Kemaryus falava em um tom tranquilo e estava abrindo e
lendo trechos de vários livros. Ele entregou mais um pedaço de papel
para Kem, que olhou todos os detalhes. –
E essa é uma
carta escrita por um conselho formado pela nobreza, clero e cientistas.
-
É o que parece. – Kem suspirou.
Lembrou-se do estranho que entrou desesperado na taverna. –
A Aliança Tripartite deveria parar de caçar novos membros
assim. - O professor parou de mexer nos livros e olhou para o
loiro com os óculos apoiados no nariz.
-
Pelo que eu soube, o assassinato ocorreu dentro dos limites da torre. Ou seja, foi uma pessoa.
-
Então por que nos meter nessa? – O paladino dava
de ombros. –
Não é trabalho nosso...-
Mas isso está interferindo no equilíbrio. Para o conselho
da aliança ter nos pedido ajuda. – Kem sabia que eles viriam
primeiro a ele, pois com Aldora os dois eram acostumados a investigar
casos mais sombrios e macabros. Como se pudesse ler mentes, o professor
concluiu. –
E você e seu irmão estão muito bem
recomendados para eles sobre essas coisas.-
Então devemos investigar?-
Sim. Leve Eros e Ayanne com você. Caso precise de mais
gente, é só avisar a ordem. – Kemaryus finalizou voltando a
concentração para a escrivaninha, onde mexia novamente com os livros.
Kem andou lentamente até onde estavam os três. Ayanne não havia se
mexido ainda, enquanto Eros e Aldora levantaram-se e ficaram na frente
do paladino.
-
Então, prontos para mais um caso
maluco? – Kem falou animado para os dois amigos. Aldora lhe
lançou um olhar sério.
-
Acha que isso tem a ver com a agitação de alguns monstros?
-
Não sei Al. – Respondeu inquieto. –
Não sei...mas amanha nós vamos para Geffen. E vamos atrás
de alguns assassinos. – Ayanne abriu os olhos finalmente
enquanto o loiro concluía. –
E vamos chutar as bundas
deles...